Como elaborar uma sentença cível?

Aspectos básicos e conceitos jurídicos 

A sentença é um ato relevantíssimo do processo, uma espécie de decisão judicial. Afinal, é lá que o juiz resolverá o cerne da questão jurídica.

É a partir dela que conhecemos o “fim da história jurídica do caso concreto”. Bem, ao menos em relação àquela instância judicial. O juiz dará às partes a resolução do problema.

O artigo 203, § 1º,do Código de Processo Civil (CPC), define a sentença como o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução (ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais).

A sentença é, portanto, um ato privativo do juiz, que pode resolver questões de naturezas material e processual, colocando fim à fase de conhecimento ou extinguindo a execução.

Primazia do julgamento de mérito

O juiz deve empreender os esforços necessários para julgar o mérito da questão, evitando extinguir o processo sem julgamento de mérito por questões meramente formais, que ele poderia resolver a partir do sistema processual civil.

O CPC prevê o princípio da primazia do julgamento de mérito em seu art. 317:

Art. 317. Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício. 

Princípio da Boa-Fé

O juiz deve analisar a atuação e os pedidos das partes e terceiros à luz do princípio da boa-fé:

  Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. 

Princípio da congruência

O juiz deve decidir o mérito “nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.” (art. 141, do CPC).

O juiz não pode “proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. A decisão deve ser certa. (Arts. 322, 323 e 492, do CPC)

Para redigir uma sentença cível, você deve observar os seus elementos essenciais (requisitos estruturais):

Relatório:

O juiz deve tratar, resumidamente, dos fatos alegados pelo autor e seus pedidos , bem como das manifestações do réu, das provas, dos incidentes processuais, das tentativas de conciliação, das razões finais, etc.

Enfim, em seu Relatório, o juiz conta, brevemente, a história relevante do processo.

Ele não deve fundamentar ou decidir nesse momento.

Segundo o art. 489, inciso I, do CPC, o relatório deve conter os nomes das partes, a identificação do caso, com o condensação da petição inicial, da contestação e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo.

É possível dispensar o relatório na hipótese do art. 38, da Lei 9.099/95: “A sentença mencionará os elementos de convicção do Juiz, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório”.

Qual a estrutura do relatório?

O relatório deve conter: a) tipo da ação e nome de das partes; b) principais alegações das partes; c) pedido do autor; d) menção sobre a audiência de conciliação ou de mediação (art. 334, do CPC); e) resposta do réu; f) réplica; g) instrução probatória; h) alegações finais; i) autos conclusos para decidir.

Se houver reconvenção, após a resposta do réu, adicionar: a) reconvenção; b) réplica do autor em relação à primeira demanda e contestação à reconvenção; c) réplica do réu reconvinte em relação à reconvenção.

Fundamentação:

juiz elaborando uma sentença cível
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De acordo com o art. 489, inciso II, do CPC, a fundamentação é a parte da sentença em que o juiz analisará as questões de fato e de direito.

O juiz deve fundamentar a sentença, sob pena de nulidade. A garantia da fundamentação das decisões judiciais está, inclusive, prevista na Constituição, em seu artigo 93, inciso IX, e no art. 11, do Código de Processo Civil. É um requisito essencial.

O juiz não precisa citar todos os dispositivos de lei relacionados à decisão, mas deve dar a motivação legal, ou seja, deve demonstrar que o seu convencimento está de acordo com o direito.

Ele deve apreciar a prova constante nos autos, de acordo com o art. 371, do CPC: “O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”.

Apesar de julgar de acordo com o princípio do livre-convencimento motivado, ele deve colaborar para que a jurisprudência se mantenha íntegra, estável e coerente (art. 926, do CPC).

Ao fundamentar, o magistrado deve se atentar ao princípio da não-surpresa, conforme previsto no artigo 10, do CPC: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”

Critérios para a Fundamentação

O conteúdo da fundamentação abrange questões de admissibilidade (pressupostos processuais e condições da ação) e de mérito. É possível ter questões de fato e de direito em ambas.

Sobre a distribuição do ônus da prova, o magistrado deve aplicar o art. 373, do CPC.

Ao fundamentar, ele deve apontar a norma jurídica geral aplicável e demonstrar os efeitos da sua incidência. Pode ainda resolver eventual inconstitucionalidade da norma, decidir sobre eventual conflito normativo ou realizar controle de convencionalidade.

Se o juiz for fazer uma ponderação de princípios, deve se atentar para o art. 489, § 2º , do CPC:No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

O Juiz na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LINDB)

A Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LINDB) determina que o juiz se atente para as consequências práticas da sua decisão (art. 20, da Lei 13.655/18). É importante, portanto, que ele demonstre esse pragmatismo.

Qual a consequência da ausência de fundamentação?

Segundo a corrente majoritária, decisão sem fundamentação é nula, impugnável por recurso ou rescindível por ação rescisória.

Qual a estrutura da fundamentação?

Primeiro, pode haver o caso de julgamento simultâneo de ações. O juiz deve fundamentar com base nos arts. 55, 56 e 57, do CPC.

Segundo, o juiz deve verificar se há pedidos pendentes, os quais podem ser: a) intervenção de terceiro; b) gratuidade de justiça (arts. 98 a 102, do CPC); c) decretação de revelia (arts. 344 e 345, do CPC); d) produção probatória (arts. 370 e 371, do CPC)

Como se deve fundamentar uma sentença cível?

A fundamentação deve observar a seguinte ordem para a apreciação dos tópicos: a) questões de ordem; b) questões preliminares; c) mérito.

a) questões de ordem:

  • falta de recolhimento de custas;
  • impugnação de prova documental (art. 436, do CPC)
  • análise do requerimento de gratuidade de justiça (art. 99, do CPC);
  • questões de diligência probatória.

OBS: o TRF4 concede a gratuidade de justiça a quem tem rendimentos mensais, que não ultrapassam o valor do maior benefício do regime geral de previdência social (RGPS). Já o TRF3 tem dois posicionamentos: a 8ª Turma concede à pessoa, se os seus rendimentos não ultrapassam três salários mínimos, já a 9ª Turma utiliza o teto do RGPS. O STJ, por sua vez, defende que não existem critérios objetivos para a concessão da gratuidade de justiça. Deve-se analisar cada caso concreto.

b) questões preliminares (art. 337, do CPC):

  • inexistência ou nulidade da citação;
  • incompetência absoluta e relativa;
  • incorreção do valor da causa;
  • inépcia da petição inicial;
  • perempção;
  • litispendência;
  • coisa julgada;
  • conexão;
  • incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;
  • convenção de arbitragem;
  • ausência de legitimidade ou de interesse processual;
  • falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar. 

Exemplo de julgamento antecipado de mérito

O juiz julgará o mérito antecipadamente nas hipóteses do art. 355, do CPC. Segue um exemplo de modelo para iniciar o julgamento antecipado do mérito:

O acervo probatório é suficiente para o convencimento do juízo. A produção de novas provas é desnecessária  (arts. 370 e 371, CPC). Faço, então, o julgamento antecipado do pedido, de acordo com o art. 355, l, CPC, com base no princípio da duração razoável do processo (art. 59, LXXVIII, CRFB/88). 

Dispositivo:

Aqui, o juiz resolve as questões que as partes apresentaram. É sobre o dispositivo que recai a coisa julgada.

O que deve constar no dispositivo da sentença?

O dispositivo da sentença contém a conclusão, a decisão em si, o comando responsável pela geração dos efeitos, onde o juiz aplicará o direito ao caso concreto, acolhendo ou rejeitando o pedido formulado pela parte.

O art. 489, inciso III, do CPC, diz que, no dispositivo, o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

Sentença sem dispositivo tem vício de inexistência jurídica.

O juiz deve manter a congruência, sem proferir sentença extra petita, ultra petita ou citra petita.

Exemplo de dispositivo

“Isso posto, resolvendo o mérito, segundo o art. 487, inciso I, julgo parcialmente procedente os pedidos da parte autora para: a) condenar; b) declarar; c) constituir ou desconstituir, etc.

Reconheço a sucumbência recíproca entre as partes à razão de 50% para cada uma.

Nesses termos, condeno as partes ao pagamento de custas e honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.

Este processo não está sujeito à remessa necessária, de acordo com o art. 496, §§ 3º e 4º , do CPC.

Caso haja apelação, intime-se a parte apelada para oferecer contrarrazões. Após, remetam-se os autos ao e. Tribunal.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Data, Local,

Assinatura.

Juiz Federal Substituto”

Quais são os quatro tipos de sentença?

como elaborar uma sentença cível
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A teoria ternária (majoritária na doutrina), capitaneada pelo prof. José Carlos Barbosa Moreira, divide as sentenças em:

Sentença condenatória: “condena” o réu a prestar uma obrigação. Exemplo: juiz condena ao réu à compensação por danos morais, por causa de um ato ilícito.

Além de declarar a existência do direito material, imputa ao réu o cumprimento de uma obrigação de entregar coisa, fazer, não fazer ou pagar quantia certa, com a finalidade de resolver a questão do inadimplemento.

Verbo: Julgo procedente para condenar…

Sentença declaratória: Declara existir ou inexistir uma relação jurídica (art. 19, do CPC). Temos como exemplo o reconhecimento da inexistência de relação jurídica tributária entre o autor e o fisco, sentença de usucapião, declaração de união estável, etc.

Verbo: Julgo procedente para declarar…

Sentença constitutiva: Nela, reconhece-se um direito potestativo, que tem o fim de criar, alterar ou extinguir situações jurídicas. Elas podem constituir (constitutivas positivas) ou desconstituir (constitutivas negativas). Temos como exemplo a decretação do divórcio, interdição, investigação de paternidade, demissão de um empregado, etc.

Verbo: Julgo procedente para constituir/desconstituir…

O Código de Processo Civil prevê as hipóteses de sentenças com resolução de mérito no artigo 487.

A extinção do processo sem resolução de mérito se dá por meio de uma sentença terminativa, sendo um fim anômalo do processo (art. 485, do CPC). O juiz deve evitar esse resultado, sempre que possível, por força do seu dever de cooperação (art. 6°, do CPC), verificando a possibilidade de correção dos vícios para analisar o mérito.

Conclusão

A sentença cível é o climax do processo. É onde o juiz deve dizer o direito, de modo claro, pragmático, justo e congruente.

Um bom juiz deve aperfeiçoar a sua técnica de sentença e a sua linguagem jurídica, para comunicar o direito adequadamente às partes e à sociedade.

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