A “vitimização secundária” é grave, pois são agentes públicos que a praticam, tendo o dever de proteger a vítima durante uma investigação ou processo.
Ess tipo de violência pode gerar na vítima um sentimento de maior desamparo e frustração do que a violência sofrida inicialmente. Se uma vítima tiver seus direitos violados ou sua dignidade desrespeitada ao buscar ajuda e proteção nas instituições do Estado, é fundamental que a situação seja denunciada.
Uma nova lei (Lei 14.321/2022), publicada em 31 de março de 2022, criou um novo delito na Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.864/2019). Trata-se do artigo 15-A, que trata do crime de violência institucional:
Art. 15-A. Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade:
I – a situação de violência; ou
II – outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
§ 1º Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena aumentada de 2/3 (dois terços).
§ 2º Se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena em dobro.
Ele proíbe que vítimas de crimes ou testemunhas de crimes violentos sejam obrigadas a passar por procedimentos desnecessários, repetidos ou invasivos, causando sofrimento ou revivendo situações traumáticas. A pena para essa conduta varia de três meses a um ano de detenção, além de multa.
Se um agente público permitir que outra pessoa ameace a vítima, a pena aumenta em dois terços. Já se o próprio agente intimidar ou ameaçar a vítima, a pena será dobrada.
O que é violência institucional?
"Violência institucional" é um tipo de violência que os agentes de instituições públicas praticam em situações onde deveriam garantir os direitos e a dignidade das pessoas. No caso específico do artigo 15-A, o principal objetivo da lei é proteger a saúde mental e a dignidade de vítimas e testemunhas no sistema de justiça.
Esse conceito já existia na legislação brasileira, como na Lei 13.431/2017, que protege crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. Essa lei define como violência institucional os atos que submetem essas pessoas a procedimentos desnecessários ou invasivos, levando à chamada "revitimização" — ou seja, o sofrimento causado pela repetição do trauma. O Decreto 9.603/2018, que regulamenta essa lei, reforça esse entendimento.
Outro exemplo é a Lei Maria da Penha, que exige a proteção das mulheres contra questionamentos invasivos sobre sua vida pessoal, além de evitar múltiplas repetições dos mesmos depoimentos.
A Lei 14.245/2021, conhecida como Lei Mariana Ferrer, também proíbe práticas que desrespeitem a dignidade de vítimas e testemunhas, como comentários ofensivos ou provas irrelevantes que apenas servem para desacreditar a pessoa.
O que diz o artigo 15-A?
Resumidamente, o artigo proíbe que vítimas ou testemunhas sejam submetidas a procedimentos que:
- Sejam desnecessários, repetitivos ou invasivos;
- Façam com que revivam situações de violência ou que possam causar sofrimento ou estigmatização.
Além disso, ele descreve penas mais graves quando:
- Agentes públicos permitem que outras pessoas intimidem a vítima (pena aumentada em dois terços);
- O próprio agente público intimida ou ameaça a vítima (pena dobrada).
Quem pode ser responsabilizado por esse crime?
O crime só pode ser praticado por agentes públicos — ou seja, pessoas que trabalham em função de uma instituição estatal, mesmo que não sejam servidores efetivos. Esse agente é punido caso abuse de suas funções de forma dolosa (com intenção clara de causar dano ou por desprezo às consequências).
Por outro lado, advogados geralmente não podem responder por esse crime, mesmo que sua conduta cause sofrimento ou seja revitimizadora. Sua responsabilidade pode ser analisada por outros crimes, como injúria, ou tratados em legislações específicas, como a de violência de gênero.
As vítimas protegidas por esse artigo são:
- Qualquer vítima de crime ou contravenção penal;
- Testemunhas de crimes, desde que se trate de crimes violentos.
Essa diferenciação entre vítima e testemunha foi feita pelo legislador, embora não esteja totalmente alinhada com o objetivo geral de proteger contra a violência institucional.
Como o crime é configurado?
O crime acontece quando o agente público submete vítima ou testemunha a atos sem necessidade, como:
- Procedimentos desnecessários, elaborados de forma a não colaborar com a obtenção de provas ou solução do caso;
- Repetição de procedimentos sem justificativa;
- Atos invasivos, que causam grande exposição ou intrusão na intimidade da vítima ou testemunha.
Um ponto importante é que o agente público deve justificar a necessidade das ações. Caso contrário, pode ser acusado de violência institucional. Não são proibidos atos que tragam desconforto ou memórias ruins, se forem realmente necessários para a investigação ou julgamento. O objetivo é evitar o uso intencional ou deliberado desses atos para prejudicar ou humilhar a vítima.
A conduta também caracteriza um crime formal. Isso significa que não é necessário que a vítima efetivamente sofra um dano comprovado. Basta o risco real de causar sofrimento ou revitimização.
Por outro lado, a nova lei não obriga que todas as vítimas e testemunhas sejam ouvidas por meio de sistema especial, como o "depoimento especial" já previsto na Lei 13.431/2017 para crianças e adolescentes. A prioridade da norma é coibir revitimizações intencionais ou dolosas.
Como é investigado e processado?
O Ministério Público é o responsável por iniciar a ação penal nas situações que configuram esse crime. Contudo, se o Ministério Público não tomar providências dentro do prazo, a vítima pode apresentar uma queixa subsidiária. A investigação, em regra, fica sob jurisdição estadual, salvo exceções em que o caso vá para a Justiça Federal.
A pena é considerada leve, com reclusão de no máximo um ano, sendo enquadrada como um crime de menor potencial ofensivo. Nos casos mais graves, como quando o agente público intimida a vítima diretamente ou permite que responsabilidade passe para outros, as penas são aumentadas, mas continuam previstas como de detenção.
Observações sobre Concurso de Crimes
Se o crime de intimidação for cometido com violência ou grave ameaça, ele pode se enquadrar como "coação no curso do processo" (artigo 344 do Código Penal), o que absorve o crime de violência institucional descrito no artigo 15-A. Isso evita punir duas vezes pelo mesmo ato (bis in idem).
Conclusão
O artigo 15-A da Lei de Abuso de Autoridade reforça a proteção a vítimas de crimes e testemunhas, especialmente contra práticas abusivas no sistema de justiça. Ele se conecta com outras legislações anteriores, como as que protegem crianças, adolescentes e mulheres, mas traz uma criminalização direcionada à violência institucional, com foco em coibir atos que causem sofrimento desnecessário. A lei busca equilibrar o dever de investigação e persecução penal com o respeito à dignidade das vítimas.