Os psiquiatras já têm um novo público-alvo: os constitucionalistas. Eles são um bom nicho de venda de prozacs ou de qualquer outro medicamento capaz de aliviar as mais tenras sensações de desespero. Atualmente, ser constitucionalista é servir de muro de lamentações. O sujeito não consegue virar uma esquina sem ser obrigado a ouvir que a constituição brasileira morreu.
Eu vou te explicar como é a vida de um constitucionalista nos dias de hoje. Ele acorda, toma um banho, coloca um bom perfume, veste a melhor roupa e sai às ruas para a sua rotina jurídica diária.
Dá bom dia ao porteiro:
– Olá, Seu Manoel. Como tá a vida?
– Vai bem, Seu Constitucionalista. Entre uma crise aqui, outra ali… Pelo menos eu tô empregado. O Senhor é que perdeu seu emprego, né? Deram o golpe na Constituição.
– Não é bem assim, seu Manoel. Tem várias teorias, né. O processo constitucional foi respeitado.
– Mas a Presidente é honesta. O tal crime de responsabilidade, cadê? O Vampiro atual foi pego com o dente no dinheiro e tá lá governando.
– Tem que entender que Impeachment é uma infração político-administrativa. Se a política não empurra, o crime fica parado. O Impeachment é sedentário.
– Mas que Direito é essse?! Parece igualzinho o da Dona Cleide, professora de Direito Internacional Público. Proibe a guerra pra fazer conflito armado.
Já cabisbaixo, chega à universidade e tem um aluno lá, do segundo período, doido para encher-lhe o saco:
– Seu Constitucionalista, você é uma decepção! (aluno de hoje só te dá bom dia se você concorda com a douta opinião dele)
– Bom dia, Rodolfo. Por quê?
– O professor de Direito Penal falou que a Constituição morreu. E você fica aí, teorizando sobre tudo, enquanto vivenciamos os maiores retrocessos da história deste país. A constituição diz claramente que não pode prender com presunção de inocência.
– Olha, Rodolfo. É o tal do neoconstitucionalismo. A textura da Constituição é aberta. O STF analisou lá que a pessoa não é considerada culpada, porque tem recurso ainda. Mas que, pela proporcionalidade, já pode prender depois da segunda instância. Eu até não concordo, mas não posso dizer que essa interpretação seja impossível. É realismo jurídico, o direito é uma disputa de forças com certas particularidades e limitações. A política limita a guerra. O direito limita a política. Só que tá tudo interligado. O que limita não impede absolutamente.
– “Isso não passa de uma roupagem intelectual para o golpe!”, retrucou o prepotente aluno. “O professor de Penal disse que a Constituição morreu.”
– É, mas a função do professor de Penal é dizer que algo é inconstitucional sem dar uma justificativa atualizada pra isso, de acordo com a complexidade do estado da arte da matéria.
– Agora eu te peguei, Seu Constitucionalista. Aqui não é aula de arte. É curso de Direito. E o Aécio?! E o estado laico?! E a previdência?! E o Gilmar Mendes?! E a minha chopada que não sai?!
– Como eu te disse, é o tal do neoconstitucionalismo. Abriu a porteira; passou o boi, passou a boiada. O Direito Constitucional é uma constelação de possibilidades. As coisas vão depender das forças constitucionais em jogo, que vão emplacar uma determinada concepção de constituição. A Carta Magna não tem e não tem como ter uma velha opinião formada sobre tudo. A ordem constitucional aí está, com todas as suas contradições. Nao dá pra abraçá-la no casamento homoafetivo e jogá-la fora, quando a decisão não te agradar.
– Mas o professor de Penal falou…
– “Tá bom, Rodolfo.”, respondeu o constitucionalista, em tom de despedida, às portas da depressão, seguindo o seu caminho tortuoso em direção à sala dos professores.
Lá encontrou outro constitucionalista. Logo desabafou, enquanto tomava aquele cafezinho matinal:
– Seu Fundamentais, as pessoas tão pensando que a Constituição é Jurupinga! Barata, gostosa e levinha.
– Nem me fala, Seu Constitucionalista. Tô tão decepcionado. Eu acreditava tanto nos Direitos Fundamentais. Eu pensava que aquilo que estava escrito ia nos proteger deste retrocesso!
– Aquilo o quê, Seu Fundamentais? Não me diga que o amigo estudou direitos fundamentais sem entender o poder constituinte? Você nunca relacionou o sentido da constituição com a dinâmica das nossas instituições e do mundo político?
– Com licença, Seu Constitucionalista. Isso aqui não é curso de filosofia. Como pode o amigo não sentir a tragédia constitucional?! Os princípios da Constituição não foram capazes de tirar o país da crise, do jeitinho que nós sempre acreditamos. Eu estou chocado. Criei até um Grupo no Facebook. Já tem 500 membros.
– E qual o nome do grupo, Seu Fundamentais?
– “A Triste Geração dos Constitucionalistas Deprimidos”, disse orgulhoso. Todo dia nós postamos lamúrias sobre a nossa realidade constitucional desesperadora. Dá um alívio! Só de falar de retrocesso eu fico todo arrepiado. Teve um que até conseguiu sair do Prozac, quando ganhou mais de 100 curtidas. O amigo quer entrar?
– Agradeço, mas não tenho como aceitar o gentil convite. Estou sem tempo. Em época de crise, eu prefiro acordar todo dia tentando resolver problemas.
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